Se fosse um banco, segmento seria o sexto maior do país, atrás do Santander

 

Longe da badalação das fintechs, há uma modalidade de competidor que cresce de forma silenciosa e bem mais expressiva no mercado de crédito. As cooperativas já representam 10,74% do estoque de empréstimos e financiamentos do Brasil – se fossem um banco, seriam o sexto maior do país em tamanho de carteira, logo atrás do Santander. Há cinco anos, essa fatia era de 6,64%.

 

Um dos modelos de instituição financeira mais antigos do Brasil, o cooperativismo de crédito ganhou força, embalado por mudanças regulatórias, por um empurrão do Banco Central (BC) e pela pandemia. As cooperativas se reinventaram no período, abraçando a digitalização, ainda que tenham na rede física um grande trunfo.

 

O Brasil tem hoje 833 cooperativas singulares, 34 centrais e 4 confederações (Sicoob, Sicredi, Unicred e Cresol). Esse conjunto tem quase 13,5 milhões de clientes e 7,5 mil agências. Enquanto os bancos vêm fechando pontos de atendimento para cortar gastos e competir com as instituições digitais, as cooperativas estão crescendo sua base. Embora estejam presentes sobretudo em cidades do interior, dada a ligação histórica que o segmento tem com a agricultura, hoje já estão em todas as capitais, com agências até na Avenida Paulista e na Faria Lima, ícones do setor financeiro em São Paulo.

 

 

O Sicoob, que é o maior sistema, tem 3.563 agências, ficando atrás apenas do Banco do Brasil (3.987). O plano da cooperativa é abrir outras 117 agências até o fim do ano e avançar nos grandes centros. O Sicredi, com 2.081, fica em sétimo lugar, mas quer colocar em funcionamento mais 75 pontos de atendimento físicos no período em regiões ainda não assistidas pela instituição.

 

Pode ser contra intuitivo em tempos de digitalização, mas a rede de agências é um dos pilares do crescimento das cooperativas. Os pontos de atendimento acabam favorecendo a proximidade com os cooperados.

 

O estudo “Benefícios do Cooperativismo de Crédito”, organizado pelo Sicredi, traz evidências de que a presença física do segmento floresceu em locais de mais difícil bancarização, ou seja, em regiões que são mais complexas para a rede bancária conseguir operar. Conforme o indicador de presença bancária (IPB), que se baseia em dados socioeconômicos de cada município, há maior concentração de dificuldades nas regiões Norte e Nordeste. O estudo leva em conta o período entre 2010 e 2018, e confere uma nota de 0 a 1 para cada cidade, sendo 1 o extremo de dificuldade para manutenção de uma agência naquela localidade.

 

Outro levantamento, de autoria da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) avaliou dados econômicos de todas as cidades brasileiras com e sem cooperativa de crédito, entre 1994 e 2017, e cruzou informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), evidenciando que o cooperativismo de crédito incrementa o PIB per capita dos municípios em 5,6%, cria 6,2% mais vagas de trabalho formal e aumenta o número de estabelecimentos comerciais em 15,7, estimulando o empreendedorismo local.

 

Pedro Ramos, economista-chefe do Sicredi, diz que as características do cooperativismo de crédito favorecem a bancarização. “Ao atuar em locais de difícil acesso para a rede bancária, as cooperativas acabam sendo uma solução para atender as necessidades de pequenos e micros empresários nessas regiões, contribuindo com o desenvolvimento local. Além disso, é um modelo de negócio que se diferencia pela proximidade com os associados, oferecendo atendimento completo, com ampla gama de produtos e serviços financeiros, mas tendo um papel consultivo junto a cada um deles”, afirma.

 

O Sicredi também aponta que as cooperativas se digitalizaram durante a pandemia. “O conceito de relacionamento que empregamos é ‘figital’, no qual o atendimento está disponível por meio dos canais móveis e os nossos associados têm a alternativa de utilizar a agência para necessidades específicas e conforme sua conveniência, fortalecendo a relação dos nossos colaboradores com as comunidades onde estamos inseridos”, diz César Bochi, diretor de administração do Sicredi. A carteira de crédito do sistema fechou junho em R$ 107,1 bilhões, com alta anual de 41,1%. O sistema tem 5,21 milhões de cooperados.

 

Antônio Cândido Vilaça Júnior, diretor-executivo de tecnologia da informação do Sicoob, concorda. “O brasileiro gosta de tecnologia, mas quer ter um atendimento cara a cara também”, afirma.

 

Uma agência de cooperativa funciona como os bancos agora tentam fazer, oferecendo assessoramento, mas sem movimentar numerário. Pode servir como um ponto de encontro entre os associados, com salas de reunião à disposição. Ramos lembra que uma agência da cooperativa não precisa ser, a depender do município, um prédio de três andares. “Podemos ser um container, como é caso de Cafeara, no Paraná.”

 

O Sicoob terminou junho com ma carteira de R$ 101,0 bilhões, com alta de 50%. O total de cooperados chegou a 5,3 milhões.

 

Adriano Ricci, diretor-executivo do Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito (FGCoop), lembra que as cooperativas não têm o objetivo de gerar lucro: o dinheiro ganho é chamado de “sobras” e repartido entre os associados, o que também atrai as pessoas em períodos de crise. “A concessão de crédito demanda muito capital e nos últimos anos as cooperativas se preparam muito para isso. Tivemos mais de 80 incorporações nos últimos dois anos [espécie de fusão entre cooperativas] e estamos há mais de três anos sem nenhuma liquidação de cooperativa”, diz.

 

Ricci afirma que o sistema cooperativo tem uma “síndrome de patinho feio” e não fala suficientemente sobre as vantagens e os benefícios que oferece. “O modelo cooperativista tem tudo o que essa nova geração procura, o senso de comunidade, de devolver algo para a sociedade. Hoje o cooperado não é mais só o povo do interior. As cooperativas estão nas capitais, atuando com micro e pequenas empresas, às vezes de forma mais rápida e eficiente que os grandes bancos”, afirma.

 

Vladimir Duarte, CEO da Unicred, diz que na crise a confederação teve uma evolução muito boa. “Enquanto os bancos se retraíram, nós entramos para apoiar os cooperados. E nossa digitalização aumentou violentamente. Hoje, 80%, 90% de todas as transações aqui são feitas pelo celular”, afirma. Antes da pandemia, recorda o executivo, a maior parte das liberações de crédito era feita presencialmente nas agências, mas hoje já é possível fazer todo o processo de maneira digital. Com foco maior nas regiões Sul e Sudeste, Duarte afirma que a Unicred vem expandido para outros Estados. “Estamos abrindo agências no Nordeste, no Centro-Oeste, em vários Estados. Só ao Norte que ainda não chegamos”. A confederação teve origem em cooperativas de médicos e, por causa disso, tem tíquetes mais altos. Hoje, conta com 294 agências e um total de quase 300 mil cooperados.

 

https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/09/27/cooperativas-avancam-e-ja-sao-quase-11-do-mercado-de-credito.ghtml

Por Álvaro Campos e Fernanda Bompan — De São Paulo

 

18 out

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