Para investidores, importante é não se afobar e correr para aproveitar uma possível onda de distribuição de dinheiro sem considerar outros fatores importantes na hora de investir em bolsa
Com a insegurança jurídica formada em torno da mudança – ou não – das regras do imposto de renda sobre dividendos, as empresas estão correndo para entender quais suas opções. Muitas estão considerando antecipar a distribuição do lucro temendo que, a partir de 2022, sejam obrigadas a pagar uma alíquota de 15% ou mais sobre esses bônus, ainda que o lucro tenha sido apurado antes da mudança de regra.
“Se essa tributação de dividendos passar, certamente vai acelerar um movimento que já está ocorrendo. Estamos sendo consultados diariamente por empresas sobre como resolver neste exato momento sua situação de lucros auferidos ainda este ano e já apurados”, conta ao Valor Investe Rodrigo Maito, sócio do Dias Carneiro Advogados especializado em direito tributário. “A corrida para resolver a questão do lucro do passado existe e estamos atendendo clientes com essa angústia. E muitos estão se antecipando mesmo”, completa.
Empresas como Vale e Petrobras, por exemplo, começam a pagar dividendos mais gordos do que seus acionistas estão acostumados. A Vale, por exemplo, aprovou o pagamento de mais de R$ 40 bilhões em dividendos, montante referente à antecipação de destinação de resultados do exercício de 2021.
A Petrobras surpreendeu ao anunciar em agosto que antecipará o pagamento de R$ 31,6 bilhões aos acionistas, também relativos ao exercício de 2021. O valor, em dólares (US$ 6 bilhões), é quase o triplo da média de dividendos pagos nos últimos três anos, de US$ 2,2 bilhões.
Outra que aproveitou para adiantar o pagamento aos acionistas de 75% do lucro apurado no primeiro semestre deste ano foi a Companhia Energética de Brasília (CEB), que vai distribuir o equivalente a R$ 869,2 milhões, em juros sobre capital próprio (JCP) e dividendos.
Mesmo quem ainda não tomou a decisão de antecipar o pagamento de proventos está cogitando ou não descartando. Notícia da agência Reuters traz que a siderúrgica Gerdau, por exemplo, não apenas estuda o adiantamento do resultado de 2021, mas também lançar um programa de recompra de ações nos próximos meses, que também pode ser interpretado como uma reação às mudanças tributárias.
Qual o impacto dessa possível mudança na forma de tributação das empresas para os investidores? O Valor Investe ouviu advogados especialistas em direito tributário, analista de investimentos e o presidente da Associação Nacional de Contribuintes de Tributos (ANCT) para entender a problemática.
Se a tendência se confirmar, podemos ver uma grande onda de distribuição de dividendos até o fim do ano (quiçá um recorde), o que, em um primeiro olhar, pode atrair investidores. Contudo, o que os especialistas ouvidos pelo Valor Investe alertam é que correr para aplicar o dinheiro em bolsa só para surfar essa possível onda não é a melhor decisão, já que é preciso levar em conta uma série de outros fatores antes de investir em ações.
Empresas com maior reserva de lucro em seus balanços em 2020 e 2019
Reservas de lucros (R$ bilhões)
Empresas dez/19 dez/20 jun/21
Petrobras 124,8 127,5 165,7
Banco Bradesco 52,0 59,0 60,9
Banco Santander Brasil 12,3 21,7 47,8
Itaú Unibanco Holding 35,3 39,8 46,6
Banco do Brasil 53,5 38,9 45,5
Eletrobras 23,9 28,9 26,6
Ambev 20,9 25,9 25,9
Itaúsa 13,0 14,5 18,9
Banco BTG Pactual 13,3 14,4 17,5
Neoenergia 7,7 9,7 9,7
Total das 701 empresas 701,0 792,5 787,5
Fonte: Valor PRO
Antecipação
Primeiro, é importante entender que nem todas as empresas distribuem dividendos igualmente e, portanto, também precisam ser analisadas de forma diferente. Hoje, o padrão das empresas do tipo S.A. (Sociedades Anônimas) é pagar, no mínimo, 25% de seu lucro em forma de dividendos aos acionistas (se tiver prejuízo, não tem distribuição).
“O grupo das empresas em crescimento, que não distribuem muito seus dividendos, vão ser impactadas positivamente, já que a nova regra pressupõe redução do IR. É positivo porque vai sobrar mais dinheiro para reinvestir”, explica João Daronco, analista da Suno Research. Essas são as empresas que, por ora, ainda estão lucrando e distribuindo pouco porque usam o caixa para expandir a operação, organicamente ou via aquisições.
Por outro lado, as empresas mais “maduras”, tendem a ser mais impactadas negativamente, porque terão que pagar o imposto sobre dividendos. Essas grandes e mais consolidadas, que não precisam reservar tanto dinheiro em caixa para crescimento ou aquisições, e já apuram um lucro grande, acabam distribuindo mais. É o caso, por exemplo, das empresas dos setores elétrico, de saneamento básico e financeiro, como bancos.
Para Louise Barsi, sócia fundadora da Ações Garantem o Futuro (AGF), consultoria e escola que prega o investimento de longo prazo com foco em empresas que pagam dividendos gordos, é natural que as empresas busquem a forma mais barata de repassar os lucros, o que este ano ainda é por meio da distribuição de dividendos e JCP. Porém, ao contrário do que alguns ventilam por aí, ela não vê o mercado de ações perdendo atratividade para o investidor por conta da tributação.
“Não acredito que a tributação desestimule o mercado de ações, mas a estratégia de dividendos num curto período de prazo sim. O mercado de fundos imobiliários, por exemplo, deve continuar isento e atrair investidores. O risco da nova lei, se passar, é estimular a especulação em detrimento do investimento de longo prazo, porque tanto o ‘day trade’ [comprar e vender uma ação no mesmo dia] quanto a aplicação de longo prazo teriam a mesma tributação sobre o ganho [de 15%]”, pontua.
Para ela, o que deve acontecer é que as empresas que distribuem bastante dividendos devem passar a dar outros benefícios aos acionistas, como bonificações ou até fazer programas de recompras de ações próprias para compensar a tributação dos dividendos em si.
“Pensando em empresas boas pagadoras, eu acho que os dividendos não vão se extinguir; pelo contrário, vai só mudar de nome. Eles podem pagar menos dividendos e distribuir mais bonificações e programas de recompra de ações no longo prazo, que aumentam para o investidor o dividendo por ação sem que necessariamente o investidor coloque a mão no bolso”, explica.
Cuidados
Louise Barsi alerta para algo importante: para quem já investe, a distribuição excepcional de dividendos pode ser excelente porque é um fluxo de dividendos não previsto. Porém, ela ressalta que o investidor precisa ter em mente que isso não é recorrente – pelo contrário, é um movimento para fugir do pagamento de imposto no futuro.
“O ideal é não investir especificamente e isoladamente por conta desse fato, ou seja, entrar na estratégia de investimento em empresas boas pagadoras de dividendos só para receber o fluxo momentâneo e depois sair. Para quem já faz estratégia é excelente bônus, mas eu não me posicionaria a fim de me antecipar para um pagamento desses”, diz.
Luiz Manso, consultor tributário e presidente da ANCT, organização sem fins lucrativos que luta pelos direitos dos contribuintes brasileiros, também concorda que é preciso ter cautela, por parte do investidor, na hora de decidir apostar em empresas que sempre foram boas pagadoras de dividendos só para tentar surfar na onda.
“Promover o investimento com lastro em empresas boas pagadoras de dividendos, considerando o futuro incerto – se os acionistas manterão os recursos no caixa da empresa sem a distribuição de lucros -, é uma jogada de mercado, incerta e sujeitas aos seus riscos”, diz. “O mercado avaliará se a empresa estará promovendo a distribuição dos lucros para se fortalecer financeiramente ou se objetiva evitar a tributação, na materialização de um verdadeiro planejamento tributário para evitar a hipótese de incidência [do tributo]”, ressalta ainda.
Alternativas
No fim de 2020, as empresas de capital aberto somavam R$ 792,5 bilhões de reserva de lucros em sua contabilidade, dinheiro de onde sai o pagamento de proventos. O volume é 13% superior a 2019 (R$ 701 bilhões), de acordo com números de 701 companhias compilados pelo Valor Data com dados do Valor PRO. No fim de junho deste ano, esse saldo havia caído um pouco, para em R$ 787,5 bilhões.
Segundo Edmundo Medeiros, professor de Direito Tributário da Universidade Presbiteriana Mackenzie, se aprovadas, as modificações no IR deixarão duas alternativas para as empresas reduzir o impacto tributário extra: a recompra de ações ou o investimento do lucro na própria empresa.
“Excetuadas essas duas formas, a adoção de ‘nomenclaturas’ para o que, de fato, seja a pura e simples distribuição de lucros e dividendos estará no radar da Receita Federal. Qualquer medida que dissimule a distribuição de lucros e dividendos estará sujeita à autuação pela Receita”, aponta o professor.
No segundo caso, de reinvestimento do lucro, os benefícios aos investidores serão um pouco mais demorados, já que a expansão da companhia, de forma orgânica ou via aquisições leva um tempo para maturar. Mas os efeitos podem ser mais duradouros.
Já, no primeiro caso, de recompra de papéis, a estratégia é simples: diminuir a base de acionistas da companhia ao tirar de circulação um número de ações. Dessa forma, o lucro é distribuído para menos gente e, portanto, todos ganham uma fatia maior do bolo. É um subterfúgio, porém, mais de curto prazo e deixa os investidores à mercê da empresa decidir se depois volta a vender os papéis no mercado, diluindo novamente todo mundo.
Para Daronco, da Suno, as empresas estão olhando mais a recompra, principalmente porque foi algo visto no mercado americano em 2018, após a reforma tributária promovida pelo governo de Donald Trump. “Nos EUA isso é bastante comum, a recompra de ações, e vejo com bons olhos. Muitas vezes esse movimento significa que a ação está barata e, se as pessoas que estão liderando a empresa acreditam que é um bom preço diante das oportunidades que a empresa está construindo, pode ser um bom sinal para o acionista. As pessoas que estão lá dentro da empresa são as que mais sabem a situação da companhia”, aponta.
De fato, estamos vendo uma onda grande de empresas anunciando recompra de suas ações, como a BR Malls, grupo de shopping centers, que anunciou a recompra de até 42,1 milhões de ações e a SLC Agrícola, que tem a intenção de comprar de volta 2 milhões de ações. No início do mês, a Itaúsa comunicou que, em agosto, adquiriu 1,750 milhão de ações preferenciais (PN) e muito mais ainda será comprado, conforme plano anunciado em fevereiro.
Uma reportagem do Valor Econômico do início do mês mostra que, em agosto, 17 companhias anunciaram que pretendem recomprar parte de suas ações em circulação no mercado. De janeiro a agosto, foram abertos 60 programas de recompra, segundo levantamento feito no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em todo o ano passado foram 75.
Mas ainda é muito difícil saber se é uma tática que as empresas estão usando para se antecipar ao imposto ou porque acreditam que as ações estão baratas. Até o dia 23 de setembro, o Ibovespa, por exemplo, perde 4,16% no ano e 3,97% só neste mês.
Por Naiara Bertão, Valor Investe